Entrevista publicada na edição 15 (março/2011) da Radar Magazine.
“Garrincha é a alma do futebol”
A frase é do homem que é a cara e a voz do futebol na Austrália, Les Murray, apresentador e comentarista com sete Copas do Mundo na bagagem e três décadas de SBS Television. Nascido na Hungria e vivendo na Austrália desde 1957, Murray fala sobre o futebol no país, faz revelações e não tem dúvida de quem foi o melhor entre Pelé e Maradona.
Na Copa de 2010, os dois principais jogadores da Austrália foram expulsos nos dois primeiros jogos. Se eles estivessem vestindo a camisa do Brasil, da Argentina ou da Itália, a decisão do árbitro teria sido a mesma?
Não sei. A expulsão do Tim Cahill foi boba e a do Harry Kewell foi falta de sorte, pois para ser marcado mão na bola é preciso ter a intenção, não pode ser acidental, e além disso ele estava com o braço junto ao corpo. Portanto, é questionável. Mas não é possível perder Cahill e Kewell nos dois primeiros jogos e sobreviver.
Além das expulsões, quais foram os principais erros da Austrália no Mundial?
Más decisões do técnico Pim Verbeeck no primeiro jogo (contra a Alemanha). Pim Verbeeck não entendeu a mentalidade australiana, que é muito diferente da europeia, por exemplo. Você não pode falar para um jogador australiano que ele não é bom o suficiente para vencer a Alemanha, pois ele acredita que pode. Você tira a força mental dele. Gus Hiddink, o técnico anterior, compreendeu isso e foi pra cima do Brasil na Copa de 2006. Tudo bem, a Austrália perdeu por 2 a 0, mas dominou a maior parte do jogo. Eles não eram defensivos. Já Verbeeck armou o time com dez jogadores dentro da área e eles se revoltaram no vestiário, não queriam ir para o jogo, precisou um oficial da FIFA bater na porta e avisar que era hora de ir, senão perderiam a partida. Os jogadores estavam totalmente confusos.
Qual é o estilo do futebol da Austrália e para onde deve olhar?
A Austrália é um país multicultural e isso é bom, pois você tem garotos que nascem na Austrália, crescem aqui mas são filhos de pais croatas, por exemplo, portanto, recebem influências dos dois países que, combinadas, podem ser muito fortes. O estilo australiano, de vez em quando, precisa de correções, e a melhor maneira é espelhando nos melhores da época. Por muitas décadas nós tivemos a influência britânica, mas não precisamos dela. Nós já temos a mentalidade britânica, somos fortes, durões, altos, por que precisamos da influência britânica? Não temos a técnica, nosso controle de bola é ruim, precisamos de coisas que não temos.
A audiência do futebol na Austrália, tanto na televisão quanto nos estádios, vem crescendo. Quais são as principais razões?
O interesse aumentou muito depois da Copa de 2006. Mas em 2002, quando a Austrália não disputou a Copa, 15 milhões de australianos assistiram ao Mundial. A principal razão é a globalização. Há 30 anos, não havia transmissão na tv, artigos nos jornais, nada, apenas os imigrantes seguiam. Com a globalização, nós tivemos que ficar por dentro do que o restante do mundo fazia e jogava. E os australianos, primeiramente na SBS e depois na tv paga e na internet, começaram a acompanhar o futebol assistindo o melhor do mundo através dos campeonatos inglês, espanhol, italiano e brasileiro. Eles passaram a apreciar e achar que deveriam ser bons também no futebol. Em 2005, quando a Austrália se classificou para a Copa de 2006 ao vencer o Uruguai (em Sydney, nos pênaltis), esse país simplesmente explodiu. Nunca tivemos nada parecido. Havia um sentimento de okay, somos bons no rugby, no críquete, no golf, mas quem se importa? Esse é o esporte que todo mundo realmente se interessa. Foi muito importante para os australianos terem voltado à Copa do Mundo. Agora, provavelmente se classificará para todas e o sonho passa a ser vencê-la um dia. Não será hoje, nem amanhã, mas esse deve ser o sonho.
Falando em sonho, para você, que é um entusiasta do futebol brasileiro, o que pensa sobre cobrir a Copa no “país do futebol”?
Acho que será a minha última Copa do Mundo como profissional de tv, portanto, seria um encerramento brilhante para uma carreira. É um dos meus países e culturas preferidas, seria perfeito.
O futebol na Austrália está no caminho certo?
Muitas coisas precisam ser acertadas. A principal é o desenvolvimento técnico, o que é devagar e leva tempo. O futebol organizado começa muito cedo, antes dos seis anos de idade. Os garotos são colocados em times e tratados como pequenos soldados, eles não têm o futebol de rua, onde simplesmente pegam a bola e jogam, como na América do Sul, na África e em outros lugares. O garoto é escalado de zagueiro e não lhe é permitido sair daquela posição, driblar, nada, isso é muito agressivo e essa cultura precisa mudar, começando nos subúrbios. Outra coisa, a Football Federation Australia investe muito dinheiro no futebol, mas apenas nos jogadores de elite. Se hoje cerca de um milhão de pessoas jogam futebol na Austrália, menos de mil são de elite. E o restante? E os garotos aborígenes, que não podem comprar um par de chuteiras e possuem talento nato? AFL e Rugby League pegam eles, o futebol não, e isso é um erro. Um dos meus sonhos é ver, antes de eu morrer, o primeiro jogador aborígene de futebol milionário, como Harry Kewell ou Tim Cahill.
Quem foi melhor, Pelé ou Maradona?
Pra mim, Maradona. Uma das razões é porque mal vi o Pelé jogar. Eu era muito novo e só pude vê-lo mesmo quando estava se aposentando, no Cosmos de Nova York. Não pude vê-lo no auge, jogando pelo Santos, acompanhando semanalmente. Já o Maradona assisti em quatro Mundiais e foi o melhor que vi. Outra diferença é que o Pelé sempre jogou com grandes jogadores, seja no Santos ou na Seleção Brasileira, Maradona raramente tinha bons atacantes ao lado, a maioria era fraco, e ele sempre liderava o time, era o capitão e obteve grandes conquistas sem ter os melhores ao lado.
Quem é o seu grande ídolo no futebol?
Meu grande ídolo, meu ídolo espiritual no futebol é o Mané Garrincha, que representava a verdadeira essência do futebol, o futebol de rua, aquele que ele jogou até a morte. Figura trágica, mas por isso é tão amado. Me disseram que no Brasil Pelé é admirado, enquanto Garrincha é amado. Acredito nisso. Quando estive no Rio, fui até Pau Grande, cidade onde nasceu, visitei a casa em que ele cresceu e o túmulo. Foi uma busca particular minha pela alma do futebol, e é isso o que ele significa pra mim, Garrincha é a alma do futebol.
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