sexta-feira, 6 de maio de 2011

Ceviche e o chef nômade

Matéria publicada na edição 15 da Radar Magazine com fotos de Guilherme Infante.

Para a primeira receita desta nova fase da Radar, queríamos um prato que representasse bem a América do Sul, tivesse características marcantes e pudesse ser feito ou encontrado na Austrália. Não foi difícil optar pelo ceviche, o carro-chefe da culinária peruana, que une tradição e modernidade.

Por aqui, ninguém melhor do que o chef peruano Alejandro Saravia, formado na única Le Cordon Bleu da América do Sul, em Lima, para falar sobre o ceviche. Alejandro vive na Austrália desde dezembro de 2006 e já trabalhou em restaurantes em Nova York e na Europa, incluindo o londrino The Fat Duck, que ostenta três estrelas Michelin. Em Sydney, passou pelo El Bulli e atualmente é sous-chef do Sails Restaurant, em Lavender Bay (North Sydney), além de proprietário do Taste of Peru, empresa que realiza eventos em diferentes localidades da Austrália, sempre levando a gastronomia peruana e sulamericana.

Simplificando ao máximo, o ceviche é um prato à base de peixe cru marinado no limão e acompanhado de ají amarelo (pimenta peruana) e cebola. Além disso, também é um método de cozimento, conforme o chef explica: “Até o século XVI, os nativos que viviam na costa do Perú tinham o hábito de comer peixe cru, pois desconheciam qualquer maneira de prepará-lo. Com a chegada dos espanhois, eles passaram a usar o suco do limão e de outros cítricos como laranja para cozinhar o peixe.”

Popular também em países como Chile, Colômbia e Equador, não é possível apontar um povoado específico ou data exata de quando o ceviche surgiu. Porém, não há dúvida sobre qual é o mais tradicional: “Podemos dizer que o ceviche peruano é o pai de todos os ceviches, pois usa o método mais autêntico, tendo sabor perfeitamente equilibrado entre todos os ingredientes, sem que nenhum se sobreponha a outro. As variações nos demais países são em função dos ingredientes encontrados em cada um”, explica.

Um dos segredos do ceviche é a qualidade dos produtos, que devem ser frescos. “Você não pode esquecer que são peixes crus”, alerta o chef. “Na Austrália, os melhores disponíveis no mercado são o snapper e o blue eye trevalla, que não têm gosto forte de peixe e também não são muito duros, o que facilita para cortar em cubos”.

De dentro para fora
A cozinha peruana esteve adormecida durante séculos, até que despertou nos últimos dez anos. No início, em função da globalização e o acesso que ela proporciona, depois pela redescoberta do próprio país. “Os chefs passaram a ficar mais curiosos, a ousar mais e também a olhar menos para fora e mais para dentro, tentando descobrir novos ingredientes. No Perú, por exemplo, temos mais de 5 mil tipos de batata. A quinoa fazia parte da alimentação diária dos incas e ninguém nunca viu seu potencial. Hoje, na Austrália, faz um grande sucesso.”

Essas novas gerações de chefs peruanos uniram o conhecimento técnico aos ingredientes locais, preservando a alma da culinária peruana e transformando-a em uma cozinha moderna ao mesmo tempo em que é tradicional. “Tivemos uma primeira leva de bons chefs indo trabalhar ou abrir seus restaurantes nos países vizinhos como Chile, Argentina e Colômbia, depois indo para os Estados Unidos em cidades como Chicago, São Francisco, Nova York e Miami, e nos últimos anos para a Europa em capitais gastronômicas como Madri, Londres e Paris. Agora, chegou a vez da Austrália e é isso o que temos feito através do Taste of Peru,” conta o chef.

O conceito do Taste of Peru é justamente apresentar diferentes estilos da cozinha peruana e sulamericana para o público da Austrália. Por não ter restaurante fixo, Alejandro é chamado de chef nômade, pois realiza cada evento em um lugar diferente, sempre trocando o menu e oferecendo uma nova experiência. Para a Radar Magazine, Alejandro preparou o ceviche da maneira tradicional, diferente da versão contemporânea que costuma fazer. Para acompanhar, fez ostras à chica de jora (bebida inca também usada como molho) e tiradito, uma espécie de irmão mais novo do ceviche, mas de pai japonês e mãe peruana, aos molhos de salsão, ají amarelo e rocoto (pimenta vermelha forte). Os produtos peruanos podem ser encontrados na loja Tierras Latinas, em Fairfield. Para quem deseja comer um bom ceviche sem precisar preparar, Alejandro recomenda os restaurantes The Sardine Room, em Potts Point, e Bentley Restaurant & Bar, em Surry Hills (ambos em Sydney).

Nikkei
Do mesmo modo que a culinária australiana é muito influenciada pela asiática, a peruana também recebeu a sua cota. Pratos tradicionais como o tiradito, que passa basicamente pelo mesmo processo do ceviche, mas é cortado em tiras, pode ser facilmente confundido com sashimi. “No início dos anos 1950, o Perú recebeu sua primeira onda migratória de japoneses, que foram trabalhar na construção de estradas, ferrovias e nas fazendas de algodão e açúcar. Sem conseguirem se adaptar aos Andes, eles ficaram na costa. Acostumados com o Oceano Pacífico, não tardou para assimilarem a cultura local e misturarem com a deles, resultando na hoje mundialmente famosa cozinha nikkei. Eles viram como se fazia o ceviche, o tiradito e o chupe de camarão, trouxeram seus ingredientes, como o molho de soja, e criaram o próprio estilo, que é essa fusão”, explica.

Tirando o chef do sério
Para tirar Alejandro do sério, basta dizer que vai comer tapas de comida peruana: “Vamos chamar as coisas pelo nome correto. Não são tapas, são piqueos. Tapas são pratos da Espanha para serem compartilhados. Não é o conceito. A Itália tem o antepasto, o Brasil as porções e o Perú os piqueos. Por que falar tapas japoneses, só porque a palavra tapas se vende? Vamos começar a apreciar mais o que a gente tem, da meneira como a gente chama.”

Ceviche de snapper
Ingredientes para 4 pessoas
800g de filé de snapper
1 xícara de limão/lima espremido (50% cada)
Ají amarela
1/2 cebola espanhola cortada fina
Caldo de peixe
Sal
Coentro

Acompanhamento:
1 batata doce
1 xícara de suco de laranja
1 pitada de canela
100g de açúcar (raw sugar)

Preparo
Limpe os filés de snapper, corte em pequenos cubos e reserve.

Para a marinada (também conhecida como leite de tigre)
Misture a cebola e o ají amarelo com o caldo de peixe, adicione o sal, o coentro, a mistura do limão/ lima, mexa e reserve na geladeira.

Acompanhamento
Corte a batata doce em pedaços e corte novamente com um molde redondo. Coloque em uma tigela e misture com o suco de laranja, a canela e o açúcar até ficar macio.

Para finalizar
Coloque o peixe em uma tigela redonda de vidro, adicione o leite de tigre e mexa por inteiro, de modo que tanto a batata doce quanto a cebola sejam envolvidas.

Onde comer em Sydney

The Sardine Room
2/31-35 Challis Avenue
Potts Point
(02) 9357 7444
www.thesardineroom.com.au

Bentley Restaurant & Bar
320 Crown St
Surry Hills
(02) 9332 2344
www.thebentley.com.au

Onde comprar os produtos

Tierras Latinas
57 Smart Street
Fairfield
(02) 9723 4446
www.tierraslatinasenaustralia.com


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