Sei que disputa de terceiro e quarto não vale nem medalha de bronze, mas já que existe e o Uruguai está lá, vou assistir. Principalmente porque com o fim da Copa do Mundo, voltaremos ao longo e tenebroso inverno futebolístico na Austrália, que tem a sonolenta A-League como atração principal, salvo por doses de UEFA Champions League e Libertadores da América enquanto o São Paulo está vivo.
Por ora, deixo esse belíssimo texto de Gustavo Jaime, jornalista que vive em Lisboa e publica periodicamente artigos no maravilhoso 7 Cronistas Crônicos, que também traz textos sensacionais do meu amigo-irmão Rafael Cury, o Fafau, e outros cinco escribas.
Com vocês, A mão de um mártir, no caso, de Luis Suárez, o avante da Celeste.
Luís Fernando Veríssimo escreveu uma crônica magistral na segunda-feira sobre o “Se”. Fala de futebol, mas não “só” disso. Se eu fosse como o Veríssimo, também poderia compor um texto de jeito ao falar da mão salvadora de Suárez no último minuto da prorrogação contra Gana. O árbitro deu pênalti, expulsou o uruguaio e Gyan fez a bola – e a vaga nas semifinais – explodir no travessão.
A primeira coisa que pensei no justo momento dos fatos foi no que diria Nelson Rodrigues se estivesse vivo. Ele bradaria aos quatro ventos, com os olhos rútilos e os lábios trêmulos: – Suárez é um mártir! Um mártir vivo trajado de azul-bebê! Ou qualquer expressão dessa.
Já posso, inclusive, ouvi-lo na Resenha Facit (se o programa ainda existisse, claro) a comentar que quem ganha e perde as partidas é a alma. “A bola, meus amigos, é um reles, um ínfimo, um ridículo detalhe!”. Nelson voltaria-se então aos entendidos do futebol, aos idiotas da objetividade que cobram uma punição crassa e estóica para a mão celestial.
Ora essa, sábios leitores, Suárez já pagou pelo ato. Foi marcado no seu heroísmo. Merecia um busto em pleno centro de Montevidéu. Uma estátua de corpo inteiro na Avenida 18 de Julio. O camisa 9 foi excluído da partida, corre o risco de ser banido do Mundial, e ainda querem mais? Almejam a guilhotina, o enforcamento, a cadeira elétrica, a injeção letal? Suárez não utilizou o antijogo ou a malandragem, mas o amor à pátria e o comprometimento com os colegas.
Deve soar piegas, eu sei. Se o artilheiro uruguaio tivesse abdicado do que esteve às suas mãos – literalmente –, se ignorasse toda a luta individual e coletiva da equipe uruguaia, hoje, Suárez sairia à rua apenas na calada da noite. Taciturno e cabisbaixo. “Via de regra, só o heroísmo é afirmativo, é descarado. A covardia, não. A covardia acusa uma vergonha convulsiva” (Nelson Rodrigues).
Por isso, para mim, ele é um mártir. Um mártir vivo, trajado de azul-bebé. E merece uma estátua.
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