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sábado, 1 de maio de 2010

Blog Paulinho Martins

Paulinho Martins é um chef paulistano radicado na Bahia que conheço há 21 anos. Ele teve participação direta em algumas passagens importantes da minha vida, quando, por exemplo, eu estava para tomar bomba no primeiro colegial e ele falou: "Vem pro Objetivo que não tem erro". Não deu outra, foram os 2 anos e meio mais divertidos dentro de uma escola (e sem repetir, claro).

No final dos anos 1990, eu sabia que adorava comida, gastronomia, mas ainda não havia verbalizado a coisa. Até comecei a estudar francês. Vivíamos em cidades diferentes e fiquei sabendo que ele havia largado a advocacia para virar cozinheiro. Meio mundo caiu matando, desde o início achei ótimo.



Anos se passaram, nunca mais vivemos na mesma cidade, mas sempre que nos encontrávamos, ou ele me levava para intermináveis degustações de vinho ou tomávamos quantidades industriais de cerveja conversando sobre gastronomia, mulher, política (naquela época eu ainda falava sobre política) e futebol (não necessariamente nessa ordem).

Em 2005, durante viagem a Camburi, fomos ao Manacá, restaurante do mestre Edinho Engel onde Paulinho trabalhou por anos. Chegamos no meio da tarde, Edinho estava com a mulher Wanda e alguns amigos. Não os conhecia, sentamos e passamos a tarde tomando vinho e experimentando alguns queijos.

Tudo ia bem até que fechamos com um vinho do Porto. Aquilo foi uma porrada na minha cabeça, de tão complexo e sedutor. À noite voltamos ao Manacá, baita jantar, noitada sem fim com a brigada do restaurante, mas depois, ao retornar para São Paulo, o Porto não saía da cabeça. Ele ficou durante uma semana conversando comigo, até que tomei uma decisão: estudar vinho.

Me inscrevi no curso básico para iniciantes do SENAC (recomendo para qualquer um que queira iniciar na enologia), passei a frequentar tudo quanto era degustação, ler todas as revistas e livros que passavam na minha frente, conheci gente da área e mais importante (e prazeroso): tomei o máximo que o bolso e o fígado permitiam (o primeiro atrapalhava mais do que o segundo, que era um verdadeiro tanquinho de tanto que o treinava).


Na Bahia com Sandrinha.

Tentando direcionar o jornalismo para esse lado, mais tarde fui convidado para editar uma revista de enogastronomia. Por detalhes, o projeto não aconteceu, mas virei editor de uma publicação de culinária. Após um ano, saí e passei um mês sabático na Bahia, hospedado na casa de Paulinho (com sotaque), vivendo enogastronomia em tempo integral. De volta a São Paulo, fiz curso de 6 a 8 semanas (não me lembro exatamente) na Wilma Kovesi - indicação dele mesmo, que havia começado lá -, e decidi, motivado pelo vinho e pela gastronomia (além da corrupção e da violência do país), vir para a Austrália.

Bem, falei tudo isso porque o Paulinho está começando um blog muito bacana, com ótimos textos e tenho certeza de que vão gostar. Um deles, em especial, está fantástico, que é a saborosa simplicidade de um bolo de bolo da Bahia. É só clicar!

Aproveitem, pois além de cozinhar muito, o homem também escreve um bocado!

Saúde, meu chapa! Ou cheers, já que o senhor ainda virá cozinhar aqui e será um paulistano-soterozzytano.

www.paulinhomartinscsg.blogspot.com


terça-feira, 27 de abril de 2010

Top 50 dos Restaurantes - 2 Australianos e D.O.M.



A revista inglesa Restaurant Magazine acaba de divulgar a sempre aguardada lista com os 50 melhores restaurantes do mundo (na opinião deles, claro, mas a credibilidade é indiscutível, pois leva em conta o voto de 800 profissionais, entre críticos internacionais, chefs e experts - um dia chego lá!).

A Austrália continua com dois restaurantes no Top 50: o Quay, na Circular Quay, em Sydney, que pulou da 46a posição para 27a, e o Tetsuya's, do mestre Tetsuya Wakuda, também de Sydney, que caiu da 21a para 38a.



Entre os 100 também aparecem o Marque, em Sydney, na 67a, e o Attica, da minha Melbourne (ops), na 73a.

Mas a grande presença mesmo é o D.O.M., do grande Alex Atala, de São Paulo, que desde 2006 figura entre os 50 e, de 2009 para 2010, pulou da 24a para a 18a. Monstro! Não só ele como toda brigada que faz o D.O.M. ser o que é. Até 2012 vai ser top 10!



Caso não tenha visto a entrevista que fiz com o chef no início do ano, clique aqui. Ou se preferir ler sobre o jantar que ele fez na minha Melbourne (ops) - e nós fomos, it's over here!

No topo dos 50, o espanhol El Bulli, do mestre Ferran Adria, caiu para a 2a posição, enquanto o Noma, da Dinamarca, pulou da 3a para 1a posição.

Um viva às dinamarquesas!

segunda-feira, 29 de março de 2010

Melbourne: parte III - O Jantar (e O Cara)



Os habitantes de New South Wales referem-se aos de Victoria como mexicanos, por estarem ao sul da fronteira. Piadinhas à parte (e essa é boa), a rixa entre os dois estados, principalmente entre as duas capitais, é imensa. E antiga! Uma espécie de Rio-São Paulo down under.

No ano passado, por exemplo, sabendo que o contrato do Australian Open terminaria em 2016, Sydney começou a trabalhar nos bastidores. Melbourne foi mais rápida e prorrogou até dois mil e trinta e pouco. Esse final de semana, New South Wales lançou campanha para tirar a Fórmula 1 de Melbourne e trazer para ser disputada à noite em Sydney. Eles não gostaram! E assim vai ser para sempre.

Mas independentemente das brigas, a certeza é uma só: Melbourne é, de fato, a capital esportiva e gastronômica da Austrália. E não se fala mais nisso!



A razão principal da nossa viagem foi o jantar que aconteceu na segunda-feira passada, 22 de março, no Jacques Reymond, eleito em 2009 o segundo melhor de Victoria pela Australian Gourmet Traveller.

O evento fazia parte da Melbourne Food and Wine Festival, e o convidado mais do que especial da noite era o grande Alex Atala. Grande não só por tudo o que tem feito pela gastronomia brasileira e conquistado, mas pelo que cozinhou (sim, o homem colocou a mão na massa) e pela simplicidade demonstrada. É "O Cara"!



Jacques Reymond é um chef francês radicado há anos na Austrália que, ao lado da mulher e da filha, a sommelier da casa, toca o restaurante. O restaurante, aliás, fica numa casa grande, um casarão aparentemente residencial, se não fosse por uma discreta placa com o nome. Do portão, semi-aberto, passa-se por um belo jardim na frente que termina na varanda. Lá dentro, distribuidos pelas salas, éramos 72 clientes reunidos por uma única razão: Alex Atala.



Fui com dois amigos chefs, um que trabalha no Mad Cow, em Sydney, e outro que é formado, já trabalhou na área, mas não está mais. Sabíamos que seriam 8 pratos e através da entrevista que fiz com o chef para a Radar Magazine, tínhamos uma idéia do que ele apresentaria, mas eu estava realmente curioso para saber como seria a harmonização dos vinhos australianos com os sabores brasileiros. Eles acertaram em cheio!

Como de costume, o jantar foi aberto com uma champa: NV Moet & Chandon Brut Imperial Magnums, que além de dar às boas-vindas, acompanharia as duas primeiras entradas: Sea scallops in coconut milk and aromatic pepper with crunchy mango e Young zucchini and langoustine salad with Brazilian herbs. Ambas perfeitos cartões de visita do que seria o jantar: influência total da cozinha contemporânea espanhola (haja espuma), base francesa e ingredientes brasileiros com toques asiáticos.



Na sequência foi servido Oyster in brioche crust with marinated tapioca com um 2009 Howard Park Riesling, Great Southern (WA). Eu gostaria muito de ter provado a Champagne com essa ostra por conta do sabor do brioche, que é encontrado na champa. Mas, claro, a minha taça já estava vazia.

O quarto prato foi o que mais me chamou a atenção: Liquid coconut risotto with dende oil, mint and nori. Isso mesmo, risoto líquido! A apresentação estava fantástica, parecia uma sopa branca, rasa, sobre duas outras sopas, uma verde quase fosforescente (menta) e a outra laranja avermelhada do dendê. Comia-se de colher, claro, e apesar da consistência líquida, ao fechar os olhos o sabor era 100% de risoto. Fantástico!

Para tomar, 2009 Toolangi "Jacques Reymond Selection" Chardonnay, Yarra Valley Magnum (VIC). Como o próprio nome diz, é uma seleção do próprio restaurante conduzida pela filha do homem (que aliás, estava lá jantando e é uma gata - o melhor "partido" de Melbourne - como diria a minha vó, já que é bonita, sabe tudo de vinho e é herdeira de um dos melhores restaurantes do país).



O Snapper with black curry, snow peas and lemon grass sauce foi uma explosão de sabores e mais espumas. A essa hora nós três já havíamos ido ao banheiro para passar perto da cozinha e ver o homem trabalhando. Quando passei, ele estava debruçado na bancada com todos os outros cozinheiros.

O vinho servido foi o 2009 Region 13 Pinot Noir Bellvale Vineyard, Gippsland (VIC), tremendo Pinot de uma região que até aquela noite eu nunca ouvira falar e tem uma história interessante. Lembram dos incêndios que aconteceram em Victoria em fevereiro do ano passado? Então, esse produtor perdeu 95% da colheita daquele ano e o vinho foi produzido com parte dos 5% que sobreviveram. O Pinot acabara de chegar ao restaurante, está ainda bem fechado e possui um sabor esfumaçado que nada tem a ver com os incêndios.

O último dos pratos prncipais foi um Baby pork ribs with cassava fenomenal. A cassava, para quem não sabe, é a nossa mandioca. Ela foi feita palha, cortada bem fininha e crocante, simplesmente e-p-e-t-a-c-u-l-a-r. E o vinho, um 1997 Plantagenet Shiraz, Mount Baker (WA), foi disparado o mais sério da noite. Canhãozaço no melhor estilo de Shiraz que a Austrália produz!



As sobremesas foram Passionfruit sorbet with priprioca e Banana, lemon and priprioca ravioli servidas com um 2009 Delatite "Catherine" Gewurztraminer, Mansfield (VIC). Se você não faz idéia do que é uma priprioca, não se preocupe. Nós também não fazíamos e, ao perguntarmos para os garçons, eles demonstraram grande dificuldade para explicar. Como jamais voltaríamos para Sydney sem saber que diabo é a tal da priprioca, o jeito foi perguntar para o homem.

De brasileiro no restaurante, só havia nós três, um casal, o chef e provavelmente um assistente que veio com ele. O resto era tudo gringo. Fanfarrões, desde o começo ficamos amigo de todo mundo, em especial do maitre, da sommelier (não a filha) e dos garçons que explicavam cada prato (a brigada, por sinal, afinadíssima e muito gente fina, não tinha nada de arrogante ou o que quer que seja, como acontece em alguns restaurantes de alta gastronomia). Ou seja, o chef já sabia da nossa existência. E eu, como havia o entrevistado, estava com um exemplar da revista para entregá-lo.



No final do jantar, o chef acompanhado do outro chef, o dono da casa, passou em algumas mesas para cumprimentar (na verdade, receber os cumprimentos). Visivelmente cansado, mas sorridente e muito atencioso, de calça jeans e tênis comum, Atala veio com Jacques Reymond até a nossa mesa e, para a nossa surpresa, pudemos falar em português, já que o francês também falava.



Radar Magazine na mão, Atala explicou que a tal da priprioca é uma raiz que ele encontrou na Amazônia juntamente com uma empresa que trabalha em parceria. Como o assunto era pesquisa de ingredientes, falamos sobre o Cerrado, os índios da região e até identificamos alguns conhecidos em comum. E para quem não acredita que o mundo é minúsculo, essas pessoas com quem ele trabalhava não só foram citadas no meu livro, como parte do dinheiro arrecadado em um dos projetos foi doado para a aldeia Wederã, a mesma que fiquei e me adotou quando estive no Mato Grosso, resultando no "Meu Avô Aúwê". Ou seja, o homem, conhecido por ser ex-punk, também é xavante. É O Cara!!!



PS: detesto junkie food, não suporto a cara do Ronald Mcdonald (o palhaço, não o filho do Fenômeno), estou sempre cornetando essas lanchonetes, mas o hotel que ficamos era ao lado de um 24 horas. E bebendo em escala industrial, no domingo, em plena Melbourne Food and Wine Festival, entrei para o Guinness indo 3 vezes ao Mc no mesmo dia, a primeira às 11 da manhã chegando da noite anterior, depois por volta das 19h antes de descobrir um dos melhores bares de música ao vivo de St. Kilda e a terceira após ter descoberto um dos melhores bares de música ao vivo de St. Kilda. Claro, inconformados, os palhaços registraram o momento vergonhoso.

Foto de Alexandre Rubial "Burguer King" Monteiro

sexta-feira, 19 de março de 2010

Exclusiva com Alex Atala



Daqui a algumas horas sigo pra Melbourne, onde desde 12 de março está rolando o Melbourne Food and Wine Festival. Coincidentemente, no sábado à noite, teremos a final da A-League, o campeonato nacional de futebol, com o nosso glorioso Sydney FC enfrentando o atual campeão Melbourne Victory. Vai ser difícil, mas estaremos no estádio pra torcer (e beber, claro, em caso de vitória, derrota, empate, WO...). Prometo texto e fotos no blog assim que der.



Bem, mas o objetivo principal da viagem não é o futebol, e sim o jantar que o grande Alex Atala fará na segunda-feira, no Jacques Reymond, segundo melhor restaurante de Victoria de acordo com a edição 2009 do Australian Gourmet Traveller.

Pouco antes dele vir, entrevistei o chef para a edição 9 da Radar Magazine, que já está circulando na Austrália. Segue a entrevista como foi publicada, acrescida de duas perguntas extras que não couberam.

O chef vem aí

O maior nome da gastronomia brasileira vem à Austrália para cozinhar, comer e realizar alguns sonhos

Alex Atala, o chef paulistano que colocou o Brasil definitivamente no circuito da alta gastronomia mundial, desembarca na Austrália para participar do Melbourne Food and Wine Festival, evento que acontece entre 12 e 23 de março e reúne alguns dos principais nomes da enogastronomia internacional. Atala apresentará aulas nos dias 20 e 21 (esgostadas desde o ano passado) e fará dois jantares no premiado restaurante Jacques Reymond, nos dias 22 e 23.



Com sólida formação clássica, domínio total das técnicas modernas e paixão pela culinária regional brasileira, o chef se tornou mundialmente famoso com o trabalho realizado no D.O.M., seu restaurante na capital paulista que desde 2006 figura entre os 50 melhores do planeta segundo a renomada Restaurant Magazine. Em janeiro de 2009, também em São Paulo, Atala inaugurou o Dalva e Dito, sua declaração de amor à cozinha patrimonial brasileira – como gosta de chamar – que traz pratos como galeto de televisão com risoto caseiro e pirarucu na chapa com vinagrete de castanha-do-Pará e ratatouille do sertão.

Como você vê o primeiro ano do Dalva e Dito?
Está dentro das expectativas. Começar um novo trabalho propõe grandes desafios. E implícitos nesses desafios há um trabalho quase de formiga, ou seja, muitas viagens com poucas quantidades. O Dalva e Dito vem se consolidando e conseguindo o meu primeiro objetivo que era tratar a cozinha tradicional, patrimonial brasileira, e elevá-la ao status de grande cozinha.

A passagem do D.O.M. para o Dalva parece ter sido algo natural. Muito do conceito do Dalva e Dito está ligado à cocção à vácuo em baixa temperatura, é isso mesmo?
De alguma forma sim. Eu sempre fui um grande curioso, um grande pesquisador de novas tecnologias na cozinha. Faço sempre questão de frisar que elas são, e serão sempre, foco da minha atenção, principalmente por me permitirem chegar a resultados que a cozinha tradicional não me permite. É o caso do Dalva. Apesar de estarmos todo o tempo tratando de cozinha patrimonial brasileira, essas tecnologias nos permitem a regularidade nas receitas e precisão nos pontos de cozimento, que realmente são aspectos importantes do Dalva e Dito. Acho que é onde o rústico brasileiro e a tecnologia de ponta convergem num grande momento.



É a primeira vez que vem à Austrália?
É a minha primeira vez e a realização de um sonho de muitos anos. A Grande Barreira de Corais é um sonho de adolescência. Sempre gostei muito de mergulho, de pesca e a Grande Barreira sempre foi uma fascinação. De algumas outras formas, sempre tive curiosidade, sempre gostei muito de música, de Men at Work a Nick Cave. A Austrália, efetivamente, por vários motivos sempre povoou a minha imaginação. É uma experiência que estou muito ansioso para viver. Quero muito conhecer a Austrália, comer o que se come aí, entender quais são as cores e sabores desse sonho que eu tinha na infância. E Melbourne tem um saborzinho especial.

Pode falar sobre o que vai apresentar?
Vou mostrar basicamente o que a gente faz no D.O.M., as receitas do dia-a-dia que compõem os menus-degustação. Mas quero principalmente frisar em Melbourne que o maior elo entre natureza e cultura passa por cima de uma mesa, por dentro de uma cozinha. Que a gastronomia no Brasil vem ganhando uma função a mais que não é só dar prazer, nos entreter, nos divertir ou nos alimentar. É também uma ferramenta da conservação. Ou seja, sustentabilidade e responsabilidade social são quesitos, são novas facetas que uma receita também pode apresentar.

Gosta de vinho austaliano?
Muito! Nós temos uma boa seleção de vinhos australianos. Sou extremamente favorável aos vinhos do novo mundo. Acho que o vinho e a cozinha vêm ganhando o status da música, a pluralidade. Entendo que cartas de vinhos, principalmente no novo mundo, tenham que contemplar os nossos vinhos e os vinhos dos países que compõem esse cinturão.



Qual australiano você indicaria para harmonizar com uma de suas comidas brasileiras?
Eu tenho o Grange, da Penfolds, que é um vinho incrível. As safras mais antigas, em que eles apresentam mais maturidade, podem ser muito convergentes com receitas de carne, com toques amazônicos, em que os aromas são muito pronunciados e muito presentes de acidez. Com boa quantidade de gordura, com muita persistência de sabor, acho que vinhos australianos combinam muito bem com a cozinha que a gente pratica.

A tendência na Austrália é um pouco parecida com a do Brasil: executar ingredientes e pratos locais, com técnicas modernas dentro das bases clássicas. É uma tendência mundial ou apenas dos dois países por serem continentais, terem fauna e flora riquíssimas e estarem localizados distantes do epicentro europeu?
Acho que Austrália e Brasil dividem mais algumas coisas. Climas parecidos, um povo descontraído e aberto à experimentação. Tudo isso compõe um cenário muito favorável a uma cozinha de experimentação. Fato também que outros chefs, por exemplo, os europeus, como o Andoni (Mugaritz-ESP), o Massimo Bottura (Osteria Francescana-ITA) e o Pascal Barbot (L'Astrance-FRA) também têm feito de alguma forma, trabalhando a favor de uma identidade não só de sua cozinha, mas de sua região. Os cardápios acabam refletindo a filosofia do chef, do seu país e do seu entorno.

Em 2006, o Estadão reuniu você, Mara Salles e Edinho Engel para discutirem conceitos e os rumos da gastronomia brasileira. Passados 3 anos do 1º Laboratório Paladar, pergunto: vocês conseguiram dar uma cara à gastronomia brasileira?
Cada vez mais. O Laboratório Paladar passou de uma experimentação de três chefs para um evento composto por uma média de 30 chefs brasileiros, sempre com chefs europeus estrelados do Michelin acompanhando esses passos. Eu acho que para o curto prazo a evolução foi gigantesca, mas ainda temos um grande caminho. A cozinha brasileira reflete essa diversidade do que pode ser a Amazônia e todo o território brasileiro, mas reflete também as nossas influências, os fatores de colonização. O Brasil, apesar de ter como principal colonizador Portugal, recebe grande influência da Itália, da Espanha e São Paulo é a maior colônia japonesa do mundo. Isso indiretamente também nos influencia. Quer dizer, Brasil é um grande mosaico e a gente vem conseguindo plasmar isso, representar na nossa cozinha.

Nos últimos anos, chef no Brasil se tornou muito valorizado, não financeiramente, mas em termos de status. Continua assim?
Há algumas deformações da profissão. Algumas pessoas ainda acham que chefs viraram milionários. Além do glamour, existe uma visão distorcida do que pode ser remuneração de cozinha. E o maior erro que as pessoas ainda cometem: para nós, em português, existe uma palavra que é cozinheiro e outra palavra que é o chef de cozinha. Em inglês, muitas vezes não vemos essa diferença, todo mundo expressa chef, um cozinheiro normal é chamado de chef. No Brasil nós temos uma hierarquia muito clara: o que é um aprendiz de cozinha, o que é um cozinheiro, o que é um chef de partie, o que é um subchef e o que vai ser um chef de cozinha amanhã. Infelizmente todo mundo quer chegar só a ser chef, ou seja, são chefs sem cozinha. Mas há um outro lado dessa moeda que vem sendo bastante positivo: pessoas que realmente se encontraram através da cozinha e vêm ajudando muito o Brasil de um modo geral.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Está aberta a temporada gastronômica

Nas próximas semanas, Sydney e Melbourne só vão respirar comida. E vinho!



A temporada gastronômica em Sydney começa nesta quinta, 11 de março, com o Taste of Sydney. Até domingo, dia 14, alguns dos melhores restaurantes da cidade estarão reunidos no Centennial Park oferecendo mais de 50 opções de pratos, incluindo entrada, principal e sobremesa, com preços ridiculamente acessíveis.

Assim, você pode iniciar com um cured ocean trout with cucumber and horseradish do Aria a $10, seguido por um quail breast & truffled risotto croustillant do Berowra Waters Inn a $12 e fechar com um sauternes custard with caramel do Marque a $8. É o que chamo de felicidade a 30 dólares!



No domingo, no Hyde Park South, das 11 às 18h, vai rolar o Sydney Cellar Door, festival com os melhores produtores de todas as regiões de New South Wales, incluindo Canberra. Fui no ano passado e é muito bacana. A entrada é grátis e só paga o que tomar (o que não é pouco).



Já em Melbourne, a partir desta sexta, dia 12, começa o Melbourne Food and Wine Festival, que vai até o dia 23 de março. Este evento já é diferente. Eles juntam alguns dos melhores chefs australianos e estrangeiros para aulas, seminários e, claro, muitos jantares.



Uma das estrelas deste ano é ninguém menos do que Alex Atala, o grande nome da gastronomia brasileira da atualidade, que chega para duas aulas e dois jantares. Eu, claro, voarei até lá para participar do jantar do homem. E, em breve, postarei aqui a entrevista exclusiva que fiz com ele para a Radar Magazine. Caso você ainda não leu, a revista está circulando e traz o Jorge Ben Jor na capa.



De volta a Sydney, no último final de semana do mês, dias 27 e 28 de março, a Vintage Cellar, rede especializada em vinhos, realizará o International Wine Fair no Overseas Passenger Terminal, ali na Circular Quay, no lado de The Rocks.

O ingresso custa somente $25 e vale muito a pena, pois eles reunirão os principais produtores que vendem, incluindo franceses, italianos, espanhóis, portugueses e chilenos, e é uma ótima oportunidade para experimentar tudo, anotar os preferidos e saber exatamente o que vai comprar nos próximos 12 meses.

Haja fígado, estômago e bolso, mas todos os eventos quebram absolutamente tudo! Quem está dentro?

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

est. - Enogastronomia em estado bruto



Cinco brasileiros, em plena segunda-feira, chegando em um dos melhores (e mais caros) restaurantes da Austrália, só pode ser:

a) Para trabalhar
b) Para pedir trabalho
c) Para jantar, mas com algum tipo de gambiarra

No nosso caso, opção “C”.

Na última semana de agosto, mês em que o est., do chef Peter Doyle, manteve a cotação máxima de 3 estrelas no guia anual da revista Australian Gourmert Traveller, fui conhecê-lo com 4 amigos. Um deles, Tercio, chef do Mad Cow, restaurante do mesmo grupo, que conseguiu uma reserva com... 50% de desconto (eis a gambiarra).



Fomos colocados em uma confortável mesa no canto, levemente separada das demais, entre a cozinha e a imensa janela para a George Street, uma das principais de Sydney. Me lembrou aquela velha história do copo com água pela metade. Para uma pessoa negativa, aquilo seria total preconceito, pois sabendo que só pagaríamos 50% da conta, o maître resolveu nos isolar (“vai saber como essa gente 50% off come”, ele pode ter pensado). Para o cara positivo, era o melhor lugar da casa, ao lado da janela e, principalmente, longe das demais pessoas, onde poderíamos manter o tom de voz “braziliano” naquela altura naturalmente acima da média mundial.

O lugar, como não poderia ser diferente, era de tremendo bom gosto, mas nada ultra-sofisticado. Grandes colunas brancas, belíssimos lustres, muita madeira, estofados bege-claro e mais branco. Ou seja, um típico restaurante moderno de cozinha contemporâea.

O primeiro garçom a nos atender era uma versão introvertida, metida à francesa e absolutamente afrescalhada do Zé Simão (da Folha). Juro! Quando olhei o cara e comentei com o Alê, meu amigo, não acreditamos. Sabem aquela bichinha australiana que, trabalhando em um restaurante top, a cada noite vai se enviadando e se tornando mais francesa? É ele! Com pitadas de arrogância e superioridade, ouviu que jantaríamos o “est. tasting menu with selected wine” ($ 255 por pessoa), que incluía 6 pratos, todos harmonizados com um vinho. Resumindo: alta gastronomia em estado bruto!

É claro que o Joseph-Pierre Simon (Zé Simão em franco-australiano) ficou decepcionado com a nossa escolha, uma vez que torcia para pedirmos algo como steak e batata-frita para nos dar um esporro. Antes de deixar a mesa, fizemos uma solicitação médica, pois um dos nossos convivas não poderia comer crustáceos. Com ares de “é óbvio que eu já sabia que um dos seus convivas não pode comer crustáceo” ele jogou a cabeça para trás (quase encostando a nuca nas costas) e retirou-se.

IMPORTANTE: escreverei o nome dos pratos em inglês, como está no cardápio do restaurante, pois alguns ingredientes não temos no Brasil, porque muitos dos nomes são universais e, principalmente, porque hoje é domingo e estou com preguiça de traduzir (e não porque fiquei metido a anglo-saxão depois que vim para a Austrália ).



Pouco antes de chegar o primeiro prato, o sommelier serviu o primeiro vinho, um Dom Pérignon safrado (2000) que abriu a noite com tudo. Em poucos minutos cinco garçons se aproximaram, cercaram a mesa e, após um sinal do líder (imperceptível aos nossos olhos de meros mortais), colocaram os pratos ao mesmo tempo. Cheguei até a pensar que eram agentes do Departamento de Imigração disfarçados, tamanha sincronicidade da ação.

Pratos na mesa, quatro garçons se retiraram e um permaneceu, na verdade, um emo-garçom (isso mesmo, para quem não sabe, “emo” é uma tribo de meninos e meninas sensíveis que não sabem se são meninos ou meninas, muito menos porque são tão sensíveis. Eles adoram usar uma gravatinha fina e uma franjinha invocada para esconder a expressão sensível do rosto). O emo-garçom explicou o que era o prato com uma sensibilidade ímpar. Apesar dele quase chorar, é bacana ficar sabendo do que se trata e qual é a “proposta” do chef (sim, desde os anos 70 os pratos passaram a ter “propostas”). Explicações dadas, taças cheias e pratos lindamente apresentados com porção reduzida, colorida e absolutamente perfumada, vamos à razão de tudo: CO-MER!



Começamos com um ocean trout carpaccio, cucumber, pink grapefruit, ponzu and white sesame oil que resume bem toda a influência da comida oriental, em especial da japonesa, na gastronomia (não só na alta) australiana. O Champagne se mostrou, mais uma vez, que é o vinho que melhor combina com comida japonesa.

A segunda entrada foi um tranche of duck foie gras, shaved pear, cresses, sauternes jelly, toasted brioche servida com um Gewürztraminer da Alsace, o Domaine Marcel Deiss 2005. O vinho, levemente adocicado, casou bem com o foie gras, e seus aromas e sabores florais, típicos da uva Gewürztraminer, encontraram na cress, uma simpática plantinha muito usada em saladas, seu par ideal.

Lembram da solicitação médica? Então! É óbvio que o nosso Joseph-Pierre Simon esqueceu de avisar o chef. Sendo assim, quando a brigada fez toda a pose para sincronizar e colocou cinco raviolo of prawns on snow peas, lemongrass and shellfish vinaigrettes, entendemos com uma tentativa de gastro-homicídio através de camarões escondidos dentro de raviólis e shellfish camuflado em vinagrete. Não preciso dizer que o Joseph-Pierre Simon passou o resto do jantar pedindo desculpas para 5 brasileiros 50% off, o que certamente foi a situação mais humilhante da vida dele. Para acompanhar, o Bodega Castro Martin Rías Baixas 2006, espanhol da região da Galícia feito com a Albariño, uva branca que lembra a Riesling e é uma das melhores da Espanha.

Na sequência veio o prato que mais gostei: Steamed snapper fillet, grilled scallop, leek and asparagus, shaved manjimup truffle butter sauce. E não pela trufa, mas pelo scallop (vieira), o mais perfeito que comi na vida (não que eu tenha comido muitos). Consistência, grau de cozimento e, principalmente, a maneira que desmanchou na boca. Sensacional! Apenas o ótimo Kumeu River Mates Vineyard Chardonnay pecou, pois veio um pouco mais frio do que deveria.

Para o prato principal tínhamos duas opções: roasted, boned squab pigeon, king mushroom and asparagus, pan juices ou pan roasted lamb rib eye, jerusalem artichokes, green peas, potato galette, salad of herbs. Ou seja: pombo ou carneiro. Optei pelo pombo, que veio acompanhado de um Châteauneuf du Pape, o Réserve Auguste Favier 2004, vinho seríssimo que foi prejudicado por um sério problema do tinto na Austrália: eles não o esfriam. Nunca! Pode estar 40 graus que sempre servem na temperatura ambiente, jamais dão uma esfriadela, mesmo de 5 minutinhos. E isso faz diferença.

Pouco antes do pombo chegar, vimos através da janela um cara no topo de uma escada trabalhando num poste. Na hora veio aquela sensação bucólica que sentimos quando vamos a um restaurante à beira-mar e comemos um peixe pescado na hora. Achei que o cara trabalhava para o restaurante e fosse fazer o mesmo, mas felizmente não foi o caso.

Fechando a degustação, escolhemos entre um passion fruit soufflé e um vanilla latte cotto, queensland strawberries, spice wafer, deliciosas sobremesas acompanhadas por um Jaboulet Muscat 2006 de Beaumes de Venise, no Vale do Rhône, ou um Riesling australiano da Tasmânia, respectivamente. Antes, um amargo e desnecessário shaved pineapple, pine nut sorbet, lime and cardamom sauce, que não passa de um limpador de boca.

Não preciso dizer que foi um jantar sensacional e valeu cada centavo (mesmo se pagássemos 100% valeria). O est. não foi eleito o Melhor Restaurante de 2006 pela publicação citada acima por acaso, muito menos manteve este ano os 3 chapéus no Good Food Guide, cotação máxima no mais influente guia de gastronomia da Austrália.

E após deixarmos uma gorjeta acima da média praticada no país, e o nosso chef entrar na cozinha para cumprimentar toda a brigada, a cena final foi o glorioso Joseph-Pierre Simon conduzindo 5 brasileiros 50% off até o elevador, dizendo o quão simpáticos éramos, pedindo desculpas pela enésima vez e nos convidando para voltarmos em breve.

Tercião, Jana, Lecão e Mari Garotinha, valeu!

est. 252 George Street, Sydney 2000
Reserva: 9240 3000
Segunda a sexta: almoço e jantar
Sábado: jantar